Aldear a política – Francisco Piyãko quer seu mandato como “ponto de encontro” entre indígenas, ribeirinhos, trabalhadores rurais e urbanos
Texto de Leandro Altheman
O nome Francisco Piyãko não passa despercebido para quem esteve atento à política no Acre e no país. Candidato a deputado federal pelo PSOL em 2018, Francisco esteve próximo de conquistar uma vaga no Congresso Nacional. Pouco mais de três mil votos teriam feito de Francisco o primeiro deputado federal indígena do Acre. Mas sua história política não começou aí. Esteve à frente da organização do movimento indígena no estado durante pelo menos os últimos vinte anos. Muitas das conquistas obtidas nesse período foram fruto de lutas que tiveram em Francisco seu principal mobilizador.
Luta, aliás, é uma palavra que seu povo, os Ashaninka do Rio Amônia, de Marechal Thaumaturgo, sabem conjugar muito bem e de diversas maneiras. O documentário “A gente luta, mas come fruta” conta um pouco sobre como esse povo, antes explorado por madeireiras ilegais e pecuaristas, deu a volta por cima e hoje tem uma produção diversificada. Por meio de um sistema agroflorestal por eles desenvolvido, conseguiram não só recuperar a fauna e a flora de seu entorno, mas ainda gerar alimento e renda para a população. De mel silvestre a quelônios, peixes e frutas das mais variadas, a alimentação do povo Ashaninka é hoje mais diversificada graças a um trabalho organizado dentro e fora da aldeia, com a participação decisiva de Francisco. Desde então a aldeia Apiwtxa é sinônimo de organização e eficiência.
A Apiwtxa também é um sucesso comercial. Por meio dela, os Ashaninka aplicaram a noção nativa Ashaninka de Ayõpare – uma relação de troca benéfica para ambos os lados. Hoje o artesanato Ashaninka é comercializado na Europa e EUA por valores que dignificam o trabalho dos artesãos e artesãs locais. Inclusive com venda on-line, por meio do seu site https://apiwtxa.org.br/.
Mas esse sucesso não ficou fechado apenas em mãos indígenas. Vencendo as antigas desconfianças e preconceitos dos moradores não indígenas do entorno, a Apiwtxa criou um modelo de escola da floresta chamada Yorenka Tasorentsi, em que os conhecimentos já testados e aprovados na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia são compartilhados com os moradores da zona rural de Marechal Thaumaturgo e outras localidades, do Brasil e do mundo.
Essa não foi a única vez em que o forte senso de coletividade e responsabilidade Ashaninka ultrapassou os limites da aldeia. Na década de 2000 a 2010, foram eles quem efetivamente fizeram a proteção da fronteira com o Peru, que à época sofria a invasão de madeireiras ilegais e traficantes de drogas. A origem comum com seus parentes peruanos não foi um obstáculo para defender o território brasileiro. Pelo contrário: essa proximidade é que deu abertura para que por meio do diálogo e da diplomacia, os problemas fossem contornados.
Na divisão de tarefas entre as lideranças Ashaninka, Francisco é aquele a quem coube o diálogo com o mundo exterior. Acostumado a frequentar reuniões de planejamento, receber demandas e tirar encaminhamentos, a linguagem e o formato da democracia participativa e representativa é uma tecnologia que Francisco domina com absoluto traquejo. Caso seja eleito, não terá dificuldade em transitar em busca de recursos pelos meandros da política e dos gabinetes em Brasília.
Numa conversa na sede da Organização Apiwtxa em Cruzeiro do Sul, Acre, Francisco Piyãko apresentou as razões de buscar mais uma vez um mandato federal, desta vez, pelo PSD, partido do senador Sérgio Petecão. “Houve um convite do senador Petecão que estava justamente buscando alguém com história política para disputar esse mandato na região do Alto Juruá”, explica.
A aceitação do convite levou em consideração aquilo que todo candidato busca: um apoio do partido para estrutura material, imprescindível para quem deseja alcançar o eleitor onde ele estiver. Segundo Francisco, houve também um convite do ex-senador Jorge Viana (PT), mas Francisco achou a proposta de Petecão mais plausível.
“Reconheço o grande trabalho que foi feito e os avanços que foram conquistados durante os governos do PT. Mas não houve renovação. A política ficou fechada, restrita a um pequeno grupo”. Sobre a disputa anterior, pelo PSOL em coligação com o PT, Francisco parece não guardar boas lembranças.
“O PSOL não priorizou minha candidatura, não apostou, e faltaram menos de 4 mil votos para vencer. O PT também não apoiou. De cerca de 12 milhões de reais investidos na campanha no estado, a minha campanha recebeu apenas 2.500 reais”, disse.
Petecão parece estar apostando alto na família Piyãko. A proposta da candidatura de Francisco para federal veio casada com a candidatura de seu irmão Isaac para estadual. Ex-prefeito de Marechal Thaumaturgo, a candidatura do professor Isaac deve potencializar o nome de Francisco no Alto Juruá.
Com bom trânsito entre os diversos grupos indígenas do estado, Francisco certamente aposta em ser uma candidatura que unifique politicamente os anseios das populações indígenas do Acre.
Mas para buscar a vitória, Francisco sabe que sua campanha não poderá ficar restrita somente aos indígenas e busca agregar demandas dos trabalhadores rurais e movimentos sociais urbanos. “Quero um mandato que seja esse ponto de encontro, de convergência, pois muitas das pautas indígenas dialogam com a condição de vida dos não-indígenas como os ribeirinhos, trabalhadores rurais e mesmo urbanos. Todos temos as mesmas dores e dificuldades. Todos buscamos coisas semelhantes”.
Por fim, Francisco reconhece o desgaste da política tradicional e busca na sua própria experiência, possíveis fórmulas de renovação. “Renovação da política significa antes de mais nada, dialogar com todos. Definições como essas de esquerda e direita estão desgastadas, limitam a atuação política. Não adianta fazer política só para os seus, conversar apenas com quem já pensa como você. É preciso ouvir as pessoas para saber como contribuir para suas vidas”, concluiu.