Neste domingo, 13 de julho, o mundo celebra o Dia Mundial do Rock. Um gênero musical que atravessou décadas, fronteiras e revoluções culturais, mantendo vivo o espírito de contestação, liberdade e transformação. No Acre, essa chama arde forte, alimentada por gerações de artistas, bandas e amantes da música que, desde os anos 1970, fazem do estado um território fértil para o rock.
A data remonta a um dos maiores eventos da história da música: o Live Aid, realizado em 1985, simultaneamente em Londres e na Filadélfia (EUA), com o objetivo de arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia. Foi nesse palco histórico que David Bowie, de terno azul e voz firme, dedicou a música Heroes ao filho e a “todos os nossos filhos, e aos filhos do mundo”. Um gesto simples, mas carregado de emoção, transmitido ao vivo para milhões de pessoas e eternizado como símbolo da união global por meio da música.
Com nomes como Queen, U2, Elton John e Madonna, o festival entrou para a memória coletiva como o maior show de rock do planeta, e o 13 de julho se tornou, desde então, a data oficial para homenagear esse gênero que rompeu padrões e inspirou movimentos sociais ao redor do mundo.
No Acre, o rock encontrou morada. Em palcos improvisados, bares alternativos e coletivos artísticos, a juventude local construiu e sustentou uma cena que resiste e se reinventa. Mais do que um som alto, o rock acreano é expressão, identidade e história viva.
A trajetória do rock no Acre pulsa em cada depoimento de quem viveu o movimento desde a década de 1970. De festivais pioneiros a projetos sociais e batalhas por espaços culturais, o gênero revela sua força como motor de identidade e transformação.
O produtor Isleudo Portela e João Neto, vocalista das bandas Fire Angel e Clonatha, revisitam juntos essas histórias. João Neto, presente na cena desde os anos 1980, relembra os festivais Alternativo Rock and Roll (1988), organizado pela Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), no Cine Teatro Recreio, e o Studio P Rock Show (1989), no Clube do Juventus, considerado o primeiro festival de rock autoral no Acre.
Mas ele aponta que o rock já tocava antes: nos anos 1970, com bandas como Os Bárbaros, que fazia covers das The Beatles e The Rolling Stones, e Os Mugs II, que ainda está ativa. A banda Capú também é citada como símbolo da fusão entre rock, música regional acreana e poesia, destacando-se no Festival Acreano de Música Popular (Famp) de 1988.
A criação da Associação de Músicos e Produtores Culturais do Acre (Amupac), em 2003, consolidou essa trajetória. Neto, seu primeiro presidente, destaca o papel da Associação, hoje presidida por Isleudo: “Continuamos levando adiante o rock and roll e a cultura do rock em Rio Branco há muito tempo.” Apesar de abranger outros estilos, 80% da produção musical da Amupac é ligada ao rock. João Neto também relembra o Projeto Fábrica, que lotava quadras escolares e revelava a sede cultural da juventude acreana.
Mais de 20 festivais foram realizados em diversos espaços até a inauguração da Concha Acústica. Espaço que é um marco importante e leva o nome do poeta, indigenista, ator e produtor de eventos Jorge Nazaré. Ali, o rock ganhou seu palco mais simbólico, que resistiu inclusive à pandemia de covid-19.
A história do rock no Acre se entrelaça com a de outros personagens fundamentais. Roberto Padula Ribeiro de Castro, o Bala Padula, músico e figura da cultura alternativa desde os anos 1990, testemunhou os altos e baixos da cena. Ele recorda sua primeira experiência com o rock acreano, vendo a Banda Capú ao vivo, seguida por nomes como Câmbio Negro e Conexão Amazônica.
Para ele, a distância dos grandes centros ainda é um dos maiores desafios: “Temos grandes talentos no estado, mas são pouco explorados. Muitas bandas daqui não deixam nada a desejar para as de fora, mas sair do Acre é extremamente caro”.
Esse sentimento também ecoa em Igor Alves, conhecido como Igor Healer, músico, produtor, ativista cultural e verdadeiro militante do rock. Rondoniense de nascimento e acreano por escolha desde 1994, Igor carrega a experiência de quem começou cedo, aos 12 anos, produzindo e tocando em eventos próprios.
No Acre, logo se integrou à cena, participando do RB Roques 4 e, a partir dali, nunca mais parou. Tocou em bandas locais, produziu eventos e trouxe artistas de diversos estados. “De repente, o negócio ficou sério. Já era profissão, já era ganha-pão”, afirma.
João Neto, por sua vez, compartilha o lado afetivo dessa jornada. Conta a história da resistência familiar, dos preconceitos enfrentados e da emoção de ver o pai chorando ao ouvi-lo tocar na Concha Acústica. “E depois desse dia, eu chegava com um vídeo, alguma coisa de rock, ele assistia comigo, e dizia: “Meu filho, que legal”, e começou a apoiar. Para Neto, o rock não é alienação: é atitude, expressão e pensamento crítico.
Todos eles lembram o estigma que cerca gêneros como rock, hip hop, reggae e samba, rotulados como “música de drogado”. Mas defendem que o rock brasileiro sempre foi sinônimo de ruptura e identidade. Raul Seixas, Os Mutantes, Ney Matogrosso: todos romperam padrões.
No Acre, o sucesso é medido por outros parâmetros: alcançar quase todos os municípios, manter o movimento vivo por décadas, ver o público reconhecer o valor da cena. Artistas como Blaze Bayley, André Marques e Angra, elogiaram a produção local, reconhecendo o trabalho dos acreanos.
Igor lembra, com orgulho, momentos simbólicos: “Acho que um grande passo que demos, e que marcou não apenas a mim, mas toda galera do Acre, foi trazer o Angra e o Sepultura pra cá.” E, claro, o Feliz Metal, festival anual que já trouxe Blaze Bayley, ex-vocalista do Iron Maiden, para a Amazônia.
Bala Padula também destaca as transformações. Apesar de hoje existirem poucos espaços físicos, como os bares Garagem e Studio, festivais como o CarnaRock seguem ativos. “Sempre caminhamos com nossas próprias pernas, diferente de outros segmentos”, diz.
Para Igor, a cena funciona por ciclos. “Tem altos e baixos, mas nunca parou.” Ele reconhece que a internet reduziu o público dos shows, mas acredita na renovação constante: “Tem gente nova chegando o tempo todo. A conexão com o rock nunca parou.”
A realização do Tributo Rock Festival, com apoio Estado, por meio da Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), com financiamento da Lei Paulo Gustavo, reforça essa vitalidade. Em sua segunda edição, o evento foi além dos shows: promoveu oficinas, rodas de conversa e homenagens a bandas que marcaram época.
Mais do que música, o rock acreano tem papel formativo. O estado mantem a Escola de Música, com mais de 20 anos de história. Hoje, há uma faculdade de música na Universidade Federal do Acre, Ufac.
Projetos como o Escola Sonora, idealizado por Igor Healer, levam arte e formação a jovens desde a educação infantil até a universidade. “Conheci a música quando uma banda foi tocar na minha escola. Foi ali que tudo começou”, conta.
Mesmo sem financiamento, o projeto segue firme. Em um dos episódios mais emocionantes, a escola do bairro Cidade do Povo organizou uma vaquinha entre professores para bancar uma apresentação. Igor lembra: “Uma criança montou uma bateria com tijolos, madeira e latas. Tocou para mim. Tenho até fotos. Chorei”.
Outro momento marcante foi a participação de Yuri, artista com deficiência, que se apresentou na escola Eloísa Mourão Marques. “Ele toca tudo. É multi-instrumentista. Foi muito emocionante estar com ele naquele dia”.
Igor também atua com outros projetos como “A música e a comunidade com o empreendedorismo” e “Qualificação de músicos e bandas iniciantes”. Oficinas com luthiers, técnicos de som e especialistas mostram caminhos reais para os jovens talentos.
“A gente é marginalizado por causa do visual, do cabelo, das roupas, mas esquecem que somos pais, avôs, trabalhadores. O rock educa, forma, projeta”, conclui.
Em um mundo onde tendências vêm e vão, o rock segue pulsando como um manifesto de identidade, liberdade e resistência. No Acre, ele floresce entre guitarras distorcidas, vozes firmes e histórias como a de Igor Healer, Bala Padula, João Neto e Isleudo Portela, feitas de coragem, autogestão e amor à arte.
Celebrar o Dia Mundial do Rock é, também, reconhecer o esforço coletivo de músicos, produtores, fãs e educadores que mantêm viva a chama desse gênero em meio a Amazônia. Que cada acorde ecoado, cada criança tocada por um projeto cultural e cada show realizado na luta seja mais do que som, seja legado.
Porque, no fim das contas, o rock nunca foi só música.
No Acre, rock é cultura, é história, é resistência.
E ainda tem muito solo pela frente.
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